Tendo o ninho ao pé da eira
do senhor José Morgado,
um pardal e a companheira
com quem estava acasalado,
deixavam o seu lugar
e, se havia grão exposto,
tratavam de o debicar,
contentinhos que era um gosto.
Havia perto um couval
luzento, verde, mimoso,
onde o citado pardal,
como era muito guloso,
catava larvas, insectos,
com a dita pardalinha,
trocando com ela afectos
com o que muito se entretinha.
José Morgado, espreitando
da janela do rés-do-chão,
via os dois de vez em quando
na eira, papando o grão.
Arremessava pedradas,
perseguia-os com furor,
mas todas eram baldadas,
que eles faziam pior.
Até que um dia, já farto,
foi buscar a caçadeira
atrás da porta do quarto,
e pôs-se à espreita, na eira.
Chegou o par descuidado
e o Morgado, catrapus!
Caíram ambos de lado!
Nem disseram ai-jesus!
De aí dois a três dias
começaram a murchar
as tais couves luzidias,
galegas e de cortar.
-‘Deu-me na horta a lagarta!’
disse, zangado, o José.
‘Ora esta! Uma raio a parta,
não me deixa nem um pé’
E por mais coisas que fez,
por mais remédios, em suma,
de aí a coisa de um mês
não tinha couve nenhuma.
Lembrou-se então dos pardais
com certa melancolia!…
Mas já era tarde de mais,
já de nada lhe valia!
Eis a história dos pardais,
da lagarta ou do grão,
na qual, se bem atentais,
achareis uma lição.
É muito conveniente,
quando se vê um defeito,
reparar se juntamente
não haverá algum proveito…
.
Uma delícia, a lembrar «O Melro», minha poesia de eleição…
Parabéns!
deliciosO!!
OvaladO 🙂
Gostei imenso deste teu poema… tens um jeito muito sensível de ‘jogar’ com as palavras!
Sensibilizada pelo olhar em ‘fragmentos’!
Abraços
Lembrei-me do velho Melro e do Guerra Junqueiro…
Perfeito!
Abçs
Desconhecia ainda essa veia poética do arco-da-velha!!!
Mas que agradável surpresa!
Muitíssimo bem tirados, esses versos. As estrofes todas fortes e a história bem compassada, tão melodiosa de se ler. Acima de tudo, a tua escrita tem gosto. E um gosto que eu gosto.
E por mais coisas que fez,
por mais remédios, em suma,
de aí a coisa de um mês
não tinha couve nenhuma.
E o fim… Pela conclusão e pela estética!
Na troca disso tudo, um abraço! 🙂
Mas que bela história. Pena a morte dos pardais, coitados. Fica-nos o sabor da vingança da Natureza. Tanta coisa se faz por aí só por maldade, por ignorância.
Um beijinho
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar…
miguel torga
Belas rimas que anunciam o quanto é importante o equilíbrio da natureza.
Obrigada!
P.S.: Gostei da resposta. Acredito que é possível viver a saudade com alegria… Foi isso que quis dizer.
Que poema! Que inspiração!
Que lição!…
É muito conveniente,
quando se vê um defeito,
reparar se juntamente
não haverá algum proveito
Parabéns´
Um abraço
Gostei muito do poema. Temos escritor/poeta.Os pardalitos s�o lindos. Lembrei-me do Ladino, de Miguel Torga.
Beijinhossss
Um excelente poema da tua autoria.
Gosto muito de poesia e desta particularmente porque fala daqueles pássaros de que dizem: “Todo o pássaro come trigo, só quem paga é o pardal”
Beijinhosssss
A natureza atenta e solidária……
Não conhecia estes versos, mas também conheço quase nada do que colocas aqui…
Beijos
Ora aí está, em belíssima rima, uma grande lição do equilíbrio natural do meio-ambiente, vulgo ecologia!!
Só é pena que o homem, inconsciente, o vá desiquilibrando, e quando dá por isso, é muitas vezes demasiado tarde.
O pardal é delicioso 🙂