Cheguei aqui a Belém
e venho muito cansado,
oferecer este cabrito
ao meu Menino adorado.
(Beira)
A passagem do ano é uma das mais marcantes e profícuas datas no que toca a tradições populares. Elas extravasa(va)m qualquer compêndio que as quisesse reunir. É verdade que, no sorvedouro do tempo, muito se perdeu. Hoje a conjugação do ter e do poder suprime a possibilidade de conservar, sustentar e alimentar os ritos, os usos, as tradições que, deste modo, se vão esvaindo com a própria identidade do povo.
Sobram algumas, esparsas, já quase remetidas às cafuas dos montes, nas lonjuras do brilho do néon citadino…
Então, o que se faz(ia) na noite de 31 de Dezembro?
Diz o costume que a família se reúna; é que as festas natalícias continuam. Elas são três as partes que a compõem: o Natal, o Ano Novo (ou o Ano Bom) e os Reis. Ao cabo, todas estas partes, afinal, relacionadas com o Presépio: o Natal é o dia em que nasce o Menino, o Ano Novo, o dia em que a Mãe o leva a cumprir o dever que a Lei obrigava a criança recém-nascida (a Circuncisão) e, finalmente, no sexto dia de Janeiro os Reis, a Adoração dos Magos que chegavam do Oriente.
por trás duma estrebaria:
dentro estava o Deus-Menino
e mai-la Virgem Maria.
(Minho)
No dia de Natal, o Menino está deitado nas palhinhas da manjedoura. À noite, na Missa do Galo, o pároco oferece o Menino aos fiéis, para que cada um possa beijar-lhe os pés (o beija o Menino, o beija pé do Menino, conforme a região e a tradição). Há até o acrescento do sacristão ir oferecendo a cada um sua palhinha do Presépio da igreja (ainda será assim, em Lagoa, na ilha de S. Miguel?…).
No Ano Novo, o Menino já está de pé, no Presépio. Ladeiam-no a Senhora e S. José. Quase sempre é representado com a mão direita erguida, num gestão de quem abençoa os que o rodeiam. E, por fim, nos Reis, o Menino, sentado no regaço materno, recebe o ouro, o incenso e a mirra…
no presépio de Belém,
com o seu filhinho ao colo
que lhe estava muito bem!
(Açores)
A ver bem, dentro de todo manancial de tradições de Natal, só o Presépio dava para um grosso volume! Visitá-los era sempre um borbulhão de coisas mágicas! Bastava ir um chisquinho mais abaixo ou mais acima…
Aqui, no Minho, os presépios, estão quase sempre no canto eleito da sala ou no aconchego morno do lar (que é, para quem não sabe, a laje larga e funda onde se cozinha e se acolhe as gentes da inverneira que vai lá fora); no Algarve, não!, nas casas térreas, janelas abertas, luzes acesas e os presépios iluminados, ao dispor do regalo de quem quiser olhar. Nos Açores, são presépios de pedra queimada, em papel e cartolina preta, assim a imitar as pedras de lava. E há, ainda, as lapinhas (os presépios da ilha da Madeira) ornamentadas com as seus coloridos alegra-campos mais as cabrinhas.
E, durante este período, quase sempre nos domingos que pelo meio calharem, formam-se grupos, cortejos: pastorinhas, pastoradas, cantadores ou tocadores, conforme se esteja em Trás-os-Montes, nos Açores, nas Beiras, Alentejo ou Algarve. Lá vai a irmandade, por ruas, caminhos ou veredas, mordomo à frente com a coroa de prata e outro atrás com o Menino repousado na opa; de casa em casa, entram a eito, dão o Menino a beijar e cobram donativos que entregam na igreja para o custeio das festas.
E os festejos repetem-se, as pastoradas, as janeiradas, os autos (representações, ao vivo, do presépio) que são todos diferentes na igualdade do sentido, do culto e da união: são colóquios em Miranda, estrelóquios se for em Bragança, entremezes na Estrela, reiseiros na Apúlia, pastores em Porto Moniz. Ensaiados são de Aveiro, pastorinhas em Albergaria.
No Alentejo, quando os festejos acabam, e pelo luar que de Janeiro sobe ao outeiro, ainda se pode ouvir a brisa repetir as últimas estrofes do Coral de Estremoz, na Igreja da Senhora da Conceição…
Oh!, meu Menino Jesus
a vossa capela cheira;
cheira a cravos, cheira a rosas,
cheira a flor de laranjeira.
Oh! Meu Menino Jesus,
boquinha de requeijão;
dai-nos alguma coisinha,
que a minha mãe não tem pão!
.
(depois do Menino nascer, tudo começa a crescer)