Não será exagerado afirmar que, por todo o país, poucos devem ser os lugares de referência religiosa (especialmente capela, ermida ou singela orada) que não tenham a sua lenda, o seu conto, alicerçado num qualquer prodígio ou, nas mais das vezes, em graças especiais concedidas a um devoto ou peregrino, isto, claro, ocorrido naqueles tempos felizes em que a Senhora ou os Santos cuidavam de vir a este mundo com mais frequência.
Entre muitas, tantas que temos lido, vem hoje à lembrança o enredo tecido à volta de Nossa Senhora das Brotas (perto de Mora, no Alentejo), a quem o povo também chamou Nossa Senhora da Mão de Vaca. A origem desta curiosa invocação, conta-a o Padre António Costa, na sua Corografia Portuguesa. No século V, aí pelos anos de quatrocentos e tantos, um zagal muito pobre, mas homem de bem e temente a Deus, andava por esses lugares apascentando o seu gado. Eram vacas, poucas, os animais que pasciam naquele chão desigual feito de cômoros cerrados e de perto cercado de cavados barrancos.
Uma das vacas, talvez mordida por qualquer mais renhido tavão, afastou-se da manada, campo fora, largada em correria desgo-vernada. Na doida fuga e de tino perdido, não tardou que se fosse precipitar numa profunda barroca.
O pastor bem lesto acudiu mas, quando che-gou à beira da rês, encontrou-a já morta. Chorou, coitado, aflito, a sina do animal e, para que a perda não fosse tamanha, tratou de lhe tirar a pele. No afazer já lhe tinha decepado uma das mãos, que ficara partida na queda, quando os olhos se lhe pregaram numa luz deslumbrante que alumiou o fundo do barranco.
E, no mesmo instante, junto do pastor e do bicho morto, estava Nossa Senhora, sorrindo. O homem, assarapolhado, cai ali de joelhos, enquanto a Senhora, estendendo a mão sobre a vaca morta, a levanta viva e sã. E, logo de seguida, desvanece-se tal como a luz que extasiou o pastor.
Quando, ainda meio entontecido, conseguiu refazer-se do espanto, olhou para o chão e, no lugar onde estava a mão decepada da rês, viu uma imagem da Nossa Senhora feita com o osso cortado. Correu logo à aldeia a contar o sucedido e mostrar a imagem do milagre.
O povo, no lugar onde se dera o prodígio, construiu uma ermida onde foi colocada em ornado altar a imagem de osso feita. E tanta fama de milagrosa teve esta Senhora, e tamanhos foram os grupos de romeiros, que a antiga capelinha se transformou numa linda e grande igreja. Até aos dias de hoje, vejam bem!
E esta é a lenda da Nossa Senhora de Brotas. Ou melhor dito: a história da Nossa Senhora da Mão de Vaca.

Tu tens uma extraordinária forma de contar que sempre me cativa.
Gostei da lenda. (Parece que já por lá passei)
Abraço.
Há vários anos visitei esta igreja e lá estão três pinturas dessa lenda.
Gostei de a ler aqui.
E muito interessantes que elas são, sim!
Abraço.
jorge
Uma Nossa Senhora invulgar. Não conhecia apesar de passar por esses lados algumas vezes. E também uma interessante forma de contar que é só de quem é um extraordinario contador de histórias. Obrigado,
Também me tinha acontecido o mesmo, Carlos!
O extraordinário é que é um exagero…
Abraço.
jorge
Delicioso. Penso que dizer mais nada significa depois desta história. Parabéns.
Obrigado pela simpatia, amigo Pedro.
Abraço.
jorge