a broa

Com quantos grãos um pão se fez?
Dez mil talvez?
Dez mil almas, dez mil calvarios e agonias
Todos os dias.
Eil-o em cima da mesa do teu lar.
Olha a mesa: um altar.
(A Oração do Pão, Guerra Junqueiro, 1902)

– Amanhãm por’a meia pode tchigar a buscar que tem-la já desfora do forno!
Dizia-me ontem a Dona Francisca à porta de casa, com o carrego da labadeira cheia da roupa à ilharga, acabada de lavar no tanque.
Aquele pão amarelo, de grossa e estaladiça côdea, quase do tamanho da roda de um carro, cozido no forno ainda com cheiros a pinheiro e mimosa, já se queda ajeitado longe do alcance dos ratos, nas prateleiras da camboeira, suspensa do tecto a um dos lados da casa do forno. Pelo ar ainda adeja o cheiro brando e doce da cozedura, envolto num espalhado véu esbranquiçado a adornar ancestrais rituais de feitura…
S. Vicente te acrescente,
S. Mamede te levede e
S. João de ti faça pão
Ámen.
Cresça o pão no forno,

Ele a crescer
E nós a comer
Reze quem puder e souber.
Hoje fui-me à broa!

a bengala

Uma das mais conhecidas adivinhas pergunta qual é a criatura que pela manhã caminha com quatro pés, ao meio dias só por dois e à tarde usa três. A charada era proposta pela Esfinge (palavra de origem grega σφίγξ, da qual adveio a transliteração sphígks, ou seja, monstro que estrangula) que, à entrada de Tebas, a propunha, em troca da vida, a todos quantos demandavam a cidade.
O enigma (a propósito do apoio na bengala) serviu para muitos escolastas discorrerem e ilustrarem o alcance da Fé.
Sem resultado no desiderato, afinal, já que o Homem levou o seu atavismo por ínvios caminhos e do alto da sua Babel criou religiões, quantas as suas vãs glórias. Curiosamente, na disjunção da sua espécie, acaba por deixar, subtil, quase incorpórea, uma evidência tão simples como a mais frágil gota de água. Veja como a lição perpassa por todas as maiores religiões de um modo simples e espantosamente semelhante…
Bramanismo – Esta é a súmula do dever: Não faças nada a outrem que te causaria dor se fôsse feito a ti. Mahabharata 5, 1517;
Budismo – Não ofendas os outros por formas que julgarias ofensivas a ti mesmo. Udanavarga 5, 18;
Confucionismo – Existe máxima pela qual devemos reger-nos durante toda a nossa vida? Sem dúvida, é a máxima da bondade e do amor: Não faças a outros o que não quererias que eles fizessem a ti. Analecto 15, 23;
Cristianismo Portanto, tudo o que vós quereis. que os homens vos façam fazei-lho também vós, porque esta é a Lei e os Profetas. Mateus 7, 12;
Islamismo – Nenhum de, vós será crente enquanto não desejar para seu irmão o que deseja para si mesmo. Sunan;
Judaísmo – O que é odioso para ti não o faças ao teu próximo. Essa é toda a Lei; todo o resto é comentário. Talmud, Shabbat 31ª;
Taoísmo – Considera o ganho do próximo como teu próprio ganho e a perda do próximo como tua própria perda. T’ai-Shang Kan-Ying P’ien.

A sugerir que todos tenham o seu quinhão de felicidade tal-qualmente a fatia que distribuam.
Sejam felizes.