Escrevia-me uma prezada amiga a propósito de alguns – palermas, dizia ela – adágios que agora, lido o livro, já lhe parecem ter um aspecto completamente diferente. E citava, entre outros, o as paredes têm ouvidos, não sei se com algum intuito subliminar para com a Catarina de Médicies…
Acrescentava, no seu último parágrafo eu sei que estou a fugir do tema, mas gostaria de saber se tem alguma explicação para uma expressão que todos usamos, que embora não seja um provérbio, bem sabemos que é muito comum. Refiro-me ao dizer-se fulano, beltrano e sicrano…
Ora, bom, ou seja, ora mau! É que o que posso dizer sobre isso não é lá muito consensual. Talvez até mesmo pouco consensual. Mas alguma coisa há-de ficar. Vamos a eles:
À partida temos a percepção que, provavelmente, não será uma expressão muito antiga. Mas é um erro. Fulano, tem origem na língua árabe: vem de fulân, que significa tal. Como é sabido o árabe, durante a sua presença na Península Ibérica, entressachou-se de modo vincado nas línguas autóctones, como foi o caso do galego, do português e do castelhano, entre outras. Disso, encontrámos um rasto evidente, no século XIII, no castelhano, que usa fulano como pronome (fulana casa, fulano homem, para significar tal casa e tal homem). No Português, só é sabida da sua aglutinação como substantivo – até derivando para uma nova forma, fuão (pessoa incerta ou, também, pessoa sem importância), exclusiva da nossa Língua – nome já conhecido no século XIV.
Indo agora a Beltrano, é unânime aceitar que decorre directamente do nome próprio Beltrão, talvez mais propriamente de Beltrand, trazido de França. Daqui que seja verosímil traçar a sua popularidade a partir das histórias e lendas da cavalaria medieval. Um tanto arriscado, mas não absurdo, admitir que houve uma cacofonia com ano, terminação de fulano, que era já muito vulgarizado na época do nome: Beltrand para Beltrano. Na verdade, não é tão inepto como possa parecer…
A derivação de Sicrano, esta sim, não é fácil de determinar. Sabe-se que esta seria, cronologicamente, a terceira palavra a ser incorporada na expressão; nessa altura, em Portugal, Fulano e Beltrano já estavam bem firmados no linguajar popular. Será, eventualmente, originário da palavra sicano (do Latim), referente a um povo que viveu na Sicília, e mais tarde trazida pelas legiões romanas.
É interessante referir que esta procedência tem um aspecto curioso: os sicilianos sicanos, eram oriundos da Ibéria. Hecateu, historiador e geógrafo grego, 550 a.C., chega a referir a magnificência da cidade sicana de Sikrane, na Ibéria. Provavelmente o nome deriva do rio Sícano, actual Segre, afluente do Ebro, um dos maiores rios da Península Ibérica. Assim, será que a origem de Sicrano é (muito) mais antiga do que conjecturamos?…
(Nada se aprofunda para os lados)
É verdade, sim, amiga Marcela. Genericamente toma-se o nome como um nome próprio e não como uma substantivação de um adjectivo ou, até, de uma lenda. Grato pela sua opinião.
Abraço.
jorge
Meu caro Paulo, aí está uma questão curiosa e, diria até, pertinente. Em rigor dir-se-ia que não há qualquer razão para tal descriminação. E não há, de facto. Assim como, também, não há qualquer razão para a sua existência. Considerando a frase, no seu conjunto, o primeiro nome serviu para criar uma adjectivação derivada. Proceder do mesmo modo para cada um dos seguintes seria, naturalmente, criar uma repetição (mudar o nome não alteraria o significado da adjectivação). Fica o meu agradecimento pela sua atenção.
Abraço.
jorge
Agradeço as suas palavras, amiga Otília.
São muito gratificantes.
jorge
Obrigado pelas suas amigáveis palavras, um incentivo sempre gratificante.
Abraço.
jorge
Bastante interessante, especialmente por ser curioso não ser uma expressão que pareça despertar estranheza ao ponto de se questionar a origem. Como que se tivesses sido criada e imediatamente aceite, não é Jorge? Pelo menos sempre tive essa impressão.
É sempre um prazer vir aqui.
Abraço.
Muito interessante este seu post, como é habitual. Acredito que muito poca gente soubesse a origem desta frase tão comum. Já fiz uma pergunta que tem relação com o post e não obtive resposta. Se existe a palavra fulanizar, porque não exitem as palavras beltranizar e sicranizar? Se puder responder-me agradeço.
Parabéns por esta página que é tão interessante.
Abraço.
O que se aprende neste blogue!
Tanto anos de estudo (e de leitura) e, afinal, sou sempre surpreendida com algo que desconheço…
É sempre um prazer maior visitar este espaço.
Um abraço
Muito interessante a explicação, ainda que possa não ser assim faz algum sentido.
Seja como for, sempre é muito bom ter um motivo para vir aqui.
Abraço amigo! Grata pela partilha