Leitor, se amas o campo e a natureza,
se és bucólico e rude
e, na tua rudeza,
só respeitas a força e a saúde:
se às convenções da sociedade, opões
o desdém pelas normas e preceitos
que trazem pelo mundo contrafeitos
cérebros e corações;
se detestas o luxo e se preferes,
com franqueza, às senhoras, as mulheres,
e tens, como um herói da velha Esparta,
pulso rijo, alma ingénua e pança farta;
se és algo panteísta e tens bem vivo
esse afagado ideal
do retrocesso ao homem primitivo
que, nos tempos pré-históricos vivia
muito perto do lobo e do chacal;
se o ligeiro perfume da poesia
que se ergue das campinas,
na paz, no encanto das manhãs tranquilas,
te dilata as narinas,
e enche de gozo as húmidas pupilas;
leitor amigo, se és assim, vou dar-te,
se a tanto me ajudar o engenho e arte,
uma antiga receita
que os rústicos instintos deleita
e frémitos te põe na grenha hirsuta.
Leitor amigo! Escuta:
Vai, como o padre-cura, cabisbaixo,
pelos vergais da tua horta abaixo,
quando, ao romper do sol, de manhã cedo,
a luz cai sobre as tranças do arvoredo,
para sorver aqueles bons orvalhos
chorados pelos olhos das estrelas
no coração dos galhos.
Passarás pelas couves repolhudas;
Cuidado!… Não te iludas,
não te importes com elas, vai andando,
mas logo que tu passes
ao campo das alfaces,
pára, leitor amigo,
e faz o que eu te digo.
Escolhe de entre todas a mais bela,
– folhas finas, tenrinhas e viçosas
como as folhas das rosas –
e enchendo uma gamela
de água pura e corrente,
lava-a, refresca-a cuidadosamente.
Logo em seguida, e é o principal,
que a tua mão, sem hesitar, lhe deite
um fiozinho de azeite,
vinagre forte e sal…
E ouvindo em roda o lúbrico sussurro
da vida errante a propagar-se, que erra
em vibrações no ar,
atira-te de bruços sobre a terra
e come-a devagar…
filosoficamente… como um burro!
(António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz, 1910)

Como em cima tens os comentários fechados:
O meu avozinho já dizia assim:
“Deus que te assinalou, algo te encontrou!”
e essa janela em cantiga de amigo
fica a lembrar as cantigas de amor…
também de escárnio de humor e malícia
em que o conde D.Pedro era trovador
que à poesia deu seu grande louvor…
obrigada a si meu senhor
já que hoje é dia do livro, dia de flor
nas tuas mãos entrego meu carinho
porque hoje é também dia de santinho
e um historiador assim tem seu sabor
que enfeita qualquer menino(a) sonhador(a)
e ficam os versinhos enfeitados
com muitos beijinhos desenhados
bom fim-de-semana
com sorrisinhos bem assinalados!
Baila sem peso
'Filosoficamente' é, de facto, um poema divertido!…
abraços!
Justine
Também concordo!…
abraços!
APC
É óbvio que um 'Papança' não se limitaria a umas desenxabidas alfaces, não é?…
abraços!
Bartolomeu
Ora a 'coisa' pode ter outro cariz, se burro é capaz de filosofar, for o que o poeta nos diz!…
Não acha?…
abraço!
MagyMay
Ora aí está outra 'filosofia'!…
abraços!
silenciosos passantes
oxalá da alface lhe tirem bom proveito!
tintapermanente
Assim nos campos, colhida esta alface, assim condimentada a genuíno preceito…
Até que…
… maxila para a esquerda, maxila para a direita, devagar roda e volta…
Comia a alface…filosoficamente , ao meu jeito!!!
Abraço
Tamanho encanto
e tão aturada descrição
quase me leva ao pranto
sem que, no entanto
se dissipe a sensação
que o Sr. Conde de Monsaraz
seria acérrimo praticante
d'esta receita mordaz
para além de edificante.
Celenti mê Amigo Tinta, celênti… melhori nã poderia seri…
Não deixa de ser curioso que o versejador se chame "Papança", eheheh. Interessante, de terra-a-terra no tema e de formal na estrutura, este poema que mistura, precisamente, a tentativa de narrar coisas simples das gentes e do quotidiano, com a retórica de um doutor em leis.
Já quanto ao facto da alface ser o melhor para homens que gostem de bem viver a vida (um mimo, aquela das senhoras X mulheres!), depende: se esse for gordinho, se calhar até convém, que ela ajuda à dieta, rica em água que é, e bem pobrezita em calorias. Todavia, apesar de ser uma excelente fonte de nutrientes e de conter algumas vitaminas, se realmente quisermos energia é melhor comermos outra coisita! Espero que o conde haja percebido isso a tempo, e assim sido afortunado com as suas Musas Alentejanas!
Deliciosa ironia!
Abraços
ah…e como gosto de alface!
E sou alfacinha também
tenho nas origens o sangue
de quem nasceu perto de Monsaraz
hoje algo, aqui me trás…
estes versos são aviso
que muito a mim me dirás?!
E filosoficamente cantando
alfacinha na salada
muito bem temperada
dá um soninho descansado
e tira do burro o seu cargo…
mas alto lá…comer a alface
sem na terra sujar a face
com muito engenho e arte!
nem necessitar de padre-cura!
pois a alfacinha por si só
é o caminho da cura
pois toda ela é frescura!
(gaba-te cesto…) hehehe
tem um bom fim-de-semana
come alfacinha de verde folha
temperadinha como convém
e verás como te sentes tão bem!
(E obrigada pelo momento
ficou um sorriso para ti no vento!)
meu beijo aqui, fica também
ouvindo a modinha da Olinda Ana
sua modinha beirão não engana