Poucas pessoas contestarão o facto de a Praça da Bastilha representar a Revolução Francesa. Mas não é muito conhecida a relação existente entre a Praça Vendôme – o imponente largo onde estão instalados os mais luxuosos joalheiros do Mundo – e uma outra (importante) luta popular. De facto, é nessa praça, rodeada por algumas das mais ricas habitações de Paris, que estão os vestígios de uma revolução bem mais tranquila, mas tão radical e profunda quanto a de 1789. Trata-se da implantação do… sistema métrico.
No número 13 da Praça Vendôrne, à esquerda da porta do Ministério da Justiça, existe uma placa gravada em mármore debaixo de uma janela. Sob a inscrição ‘Metro’, explica Louis Marquee, presidente da Sociedade Métrica de França, existe ‘uma linha gravada entre dois pontos fixos, dividida em decímetros e cujo decímetro situado na extremidade direita está também dividido em centímetros’. Esta placa, com cerca de 220 anos, é uma das raras sobreviventes das 16 originalmente instaladas ‘nos locais mais frequentados de Paris’ pela Agência de Pesos e Medidas, um organismo temporário criado pela Convenção.
Estes ‘pequenos monumentos’, nos quais o metro ‘seria fixado ou simplesmente gravado’, deviam, segundo a agência, ser ‘bastante evidentes para chamarem a atenção e suficientemente sólidos para resistirem aos elementos e a possíveis actos de vandalismo’. Assim, as pessoas podiam habituar-se às novas unidades de medida e verificar se os seus utensílios de medição estavam de acordo com os da Assembleia Nacional. A partir de 1790, aquele organismo decidira acabar com a desordem e confusão que reinavam em França no domínio dos pesos e medidas.
A revolução métrica estava a caminho. Pelo menos no papel. A conselho da Academia das Ciências, tinha-se decidido que o metro seria definido como ‘a décima milionésima parte do quarto do meridiano terrestre entre o Pólo Norte e o Equador’. Em Julho de 1792, os astrónomos Pierre Mechain e Jean-Baptiste Delambre foram encarregados de efectuar o cálculo mais preciso possível do comprimento deste metro, através do arco do meridiano existente entre Dunquerque e Barcelona.
Mas o seu trabalho prolongou-se durante muito tempo. ‘A agência, com a pressa de definir um conjunto uniforme de pesos e medidas de modo a facilitar a livre circulação de alimentos, lançou o novo sistema métrico no dia 1 de Agosto de 1793, estabelecendo um metro provisório’, refere Louis Marquee. Este metro era baseado na medida do meridiano calculada há 50 anos, e foi nessa base que, entre Fevereiro de 1796 e Dezembro de 1797, se fizeram e instalaram dezasseis placas de mármore.
Em 22 de Junho de 1799, Mechain e Delambre conseguiram por fim introduzir o metro definitivo nos arquivos do Estado. Foram precisos dez anos para criar um sistema uniforme de medidas, mas seriam precisos mais 40 para que o povo se habituasse a ele. ‘Os regimes políticos mudam, mas os hábitos das pessoas mantêm-se fortes’, afirma Marquee. ‘A muita gente não agradava ter de aprender grego para poder ir às compras’. A utilização do sistema métrico só se tornou obrigatória a partir de 1 de Janeiro de 1840.
A partir de então, o debate centrar-se-ia no aperfeiçoamento da definição de metro e na procura de um fenómeno universal que o pudesse descrever. Delambre e Mechain tinham feito um metro teoricamente imutável. Mas descobriu-se um pequeno problema – aquele metro, que servira de modelo a todos os outros durante cerca de 100 anos, tinha menos dois décimos de milímetro!
Isso era inadmissível. ‘O metro existente nos arquivos estatais não correspondia a um padrão metrológico aperfeiçoado’, refere Pierre Giacomo, director honorário da Agência Internacional de Pesos e Medidas. ‘E os vários países europeus também não estavam muito satisfeitos por precisarem de consultar o arquivo francês para obter o metro padrão’. Por isso foi criado um organismo internacional em 1867, com o objectivo de internacionalizar o sistema métrico e preparar um novo conjunto de medidas-padrão. E assim foi criado o célebre metro padrão de platina, o modelo internacional, guardado no Pavilhão Breteuil, em Sêvres, França.
No final do século XIX, os cientistas começaram a definição das medidas com extrema precisão, através do raio de luz vermelho de uma lâmpada de cádmio. Em 1960, o progresso alcançado no campo da espectroscopia e da física atómica permitiu a utilização de um raio laranja emitido por um raio de crípton 86 para estabelecer o novo metro padrão. A pureza espectral deste feixe luminoso de crípton tem uma precisão da ordem da décima milionésima de milímetro!
Foi graças a este método que o metro passou a ser ‘igual a 1.650.763,73 comprimentos de onda de radiação, correspondendo à transição entre os níveis 2p10 e 5d5 do átomo de crípton 86‘. Mais simples que isto é impossível! E nessa época nascia o laser, essa espantosa fonte de luz monocromática. Os metrologistas não puderam renunciar a este dispositivo prodigioso. Contudo, durante a 17.ª Conferência Geral de Pesos e Medidas, realizada em Outubro de 1983 em Paris, decidiu-se finalmente que o metro deveria ser definido por uma constante fundamental da física: a velocidade da luz.
E assim foi determinado – em definitivo, já que não se prevêem alterações da velocidade da luz – que ‘o metro é igual à distância percorrida pela luz num 299.792.458.0 de segundo’. Agora, sim, estamos a pisar terreno firme!
Então e aquela placa da Praça Vendôme?
De acordo com a cerimónia das Medidas Padrão, efectuada no local em 27 de Setembro de 1989, mais milímetro, menos milímetro, mede 1,0021 do metro.
Considerando os seus venerandos 220 anos, até que não está nada mal…
