(…) – Vêm aí os robertos!… – berrava o Neca, que vinha a correr da estrada da Areosa – Vêm aí…
O futebol acabou, o Lau guardou a bola de pano e a camisola, a Amélia chamou o irmão que estava nas escadas da igreja a brincar com as sameiras, o Vasco foi buscar a lata dos berlindes que tinha deixado junto a um dos pedregulhos da baliza. A malta, lépida e agitada, lá foi até ao jardim onde sabia que ia abancar a trupe dos robertos (…)
Os Robertos vêm aí, in Péssanga.
Até aos começos da década de sessenta do século passado não era difícil, em qualquer feira, romaria, habitual folia ou ajuntamento, encontrarem-se os robertos, mais as suas barracas de quatros paus ao alto e travessas orladas de sarjas com listas coloridas, prantados nos largos, praças e jardins. Mimo ou fantochada essencialmente popular, girava à volta de umas poucas figuras a borboletear em torno de um ou dois diabos, geralmente os malacuecos da trama, sempre cómica e a terminar à cacetada, que envolvia a bonecada habilmente manobrada ao som daquelas vozes chiantes que vinham de dentro da barraca.
Assim eram os robertos, vistos acima da tenda e manipulados com uma luva suficientemente longa para esconder a mão e braço do bonecreiro que, em simultâneo, ia debitando a embrulhada da historieta com auxílio daquela palheta enfiada na boca, que lhe dava aquela tão característica sonoridade esganiçada.
Admite-se como provável que, na origem, os robertos tenham chegado a Portugal através dos comediantes itinerantes que os difundiram por toda a Europa a partir de Itália quando, em consequência do Concílio de Trento, no século XV, as marionetas foram arredadas das representações religiosas.
Na essência, os bonifrates são limitados a um pescoço um pouco alongado para que permita ser manipulado sob a luva, e à cabeça, feita de madeira leve, mas forte (geralmente oliveira, nogueira ou amieira, como nos caretos, tradicionais do Entrudo de Lazarim), para que possa aguentar as sucessivas pauladas, que são o ponto forte das pantominas. A cabeça é talhada de modo a criar uns olhos arregalados, boca aberta com uns dentes atamancados e um nariz vermelho. A maquinação da história vive principalmente de mimologismos e sonoras interjeições que são facilmente exacerbadas pela pequena palheta que o bonecreiro mete na boca.
Função espúria da Arte, praticamente ignorada por historiadores e investigadores, a verdade é que os teatrinhos de robertos, mesmo que compostos por limitados textos de tradição oral que viviam com muito de improviso, aglutinavam à sua volta, novos, velhos, crianças e adultos, logo aos primeiros trabalhos com a montagem da barraca e da fantasia.
Roberto será, ao que parece, descendente da vasta família de Polichinelos, uma antiga personagem burlesca, provavelmente com raízes no teatro da Roma antiga, que se caracterizava pela tafularia do barrete e das roupagens coloridas, pançudo, corcunda, um adunco e avantajado nariz, além do vozear tremido e esganiçado.
Polichinelo, desde os primórdios do séc. XVII era um habitual personagem da Commedia dell’arte. Espirituoso e engenhoso, são imensas as suas histórias e rocambolescas as aventuras. Adorado na Corte e pelo povo. Bom, mas não por todos. Mas isso é outra história.
Mesmo que ela seja um segredo do Polichinelo…
